A seguir apresento a uma das cartas de Sêneca a Lucílio, disponível em O Estoico, um maravilhoso site sobre estoicismo e responsável pelas traduções das cartas de Sêneca. Ao final adicionei diversas reflexões para aprofundar o conteúdo da carta.
Saudações de Sêneca a Lucílio.
- Você sugere, “evite a multidão, e retire-se dos homens, e contente-se com a sua própria consciência?” Onde estão os conselhos da sua escola, que ordenam que um homem morra em meio ao trabalho produtivo?[1]” Quanto ao curso que eu lhe pareço incitar de vez em quando, meu objetivo em recolher-me e trancar a porta é ser capaz de ajudar um número maior. Nunca passo um dia em ociosidade; aproveito até uma parte da noite para estudar. Não me dou tempo para dormir, mas me rendo ao sono quando preciso, e quando meus olhos estão cansados e prontos para caírem fechado, eu os mantenho em sua tarefa.
- Tenho-me afastado não só dos homens, mas dos negócios, especialmente dos meus próprios negócios; estou trabalhando para gerações posteriores, escrevendo algumas ideias que podem ser de ajuda para eles. Há certos conselhos sadios, que podem ser comparados às prescrições de remédios; estes eu estou pondo por escrito; pois achei-os úteis para ministrar às minhas próprias feridas, que, se não estão totalmente curadas, ao menos deixaram de se espalhar.
- Aponto outros homens para o caminho certo, que eu encontrei tarde na vida, quando cansado de vagar. Eu clamo a eles: “Evite o que agrada à multidão: evite os dons do acaso, avalie todo o bem que o acaso lhe traz, em espírito de dúvida e de medo, pois são os animais que são enganados pela tentação. Você chama essas coisas de “presentes da fortuna”? São armadilhas. E qualquer homem dentre vocês que deseje viver uma vida de segurança evitará, ao máximo de seu poder, esses ramos favoráveis, por meio dos quais os mortais, muito lamentavelmente neste caso, são enganados; porque nós pensamos que nós os mantemos em nosso poder, mas eles é quem nos prendem.
- Tal curso nos leva a caminhos precipitados, e a vida em tais alturas termina em queda. Além disso, nem mesmo podemos nos levantar contra a prosperidade quando ela começa a nos conduzir a sota-vento; nem podemos descer, tampouco, “com o navio em seu curso”; a fortuna não nos afunda, ela estufa nossas velas e nos precipita sobre as rochas.
- “Apegue-se, pois, a esta regra sadia e saudável da vida – que você satisfaça seu corpo apenas na medida em que for necessário para a boa saúde. O corpo deve ser tratado mais rigorosamente, para que não seja desobediente à mente. Coma apenas para aliviar a sua fome, beba apenas para saciar a sua sede, vista-se apenas para manter fora o frio, abrigue-se apenas como uma proteção contra o desconforto pessoal. Pouco importa a casa ser construída de madeira ou de mármore importado, compreenda que um homem é abrigado tão bem por uma palha quanto por um telhado de ouro. Despreze tudo o que o trabalho inútil cria como um ornamento e um objeto de beleza. E reflita que nada além da alma é digno de admiração, pois para a alma, se ela for grandiosa, nada é grande. “
- Quando eu comungo em tais termos comigo e com as gerações futuras, você não acha que eu estou fazendo mais bem do que quando eu apareço como conselheiro na corte, ou carimbo meu selo sobre uma decisão, ou presto ajuda ao senado, por palavra ou ação, a um candidato? Acredite em mim, aqueles que parecem estar ocupados com nada estão ocupados com as maiores tarefas; eles estão lidando ao mesmo tempo com coisas mortais e coisas imortais.
- Mas devo parar, e prestar minha contribuição habitual, para equilibrar esta carta. O pagamento não será feito de minha própria propriedade; pois ainda estou copiando Epicuro. Hoje leio, em suas obras, a seguinte frase: “Se você quiser desfrutar da verdadeira liberdade, deve ser escravo da Filosofia”. O homem que se submete e entrega-se a ela não é mantido esperando; ele é emancipado no ato. Pois o próprio serviço da Filosofia é a liberdade.
- É provável que você me pergunte por que cito tantas palavras nobres de Epicuro em vez de palavras tiradas de nossa própria escola. Mas há alguma razão pela qual você deve considerá-las como ditos de Epicuro e não domínio público? Quantos poetas exalam ideias que foram proferidas ou poderiam ter sido proferidas por filósofos! Não preciso falar sobre as tragédias e os nossos escritores de drama; porque estes últimos são também um pouco sérios, e ficam a meio caminho entre comédia e tragédia. Que quantidade de versos sagrados estão enterrados na mímica! Quantas linhas de Públio são dignas de serem declamadas por atores célebres, assim como pelos pés descalços![2]
- Vou citar um versículo dele, que diz respeito à filosofia, e particularmente aquela fase da qual discutimos há pouco, onde ele diz que os dons do acaso não devem ser considerados como parte de nossas posses:
Ainda é alheio o que você ganhou devido a cobiça. | Alienum est omne, quicquid optando evenit.[3] |
- Recordo que você mesmo expressou essa ideia de maneira muito mais feliz e concisa: O que a Fortuna fez não é seu. E uma terceira, dita por você ainda, não deve ser omitida: O bem que pode ser dado, pode ser removido. Eu não vou colocar isso em sua conta de despesas, porque eu a dei a partir de seu próprio patrimônio.
Mantenha-se Forte. Mantenha-se Bem.
[1] Em contraste com a doutrina estoica geral de participar da política e atividades do mundo.
[2] “excalceatis”, Comediantes ou mímicos
[3] Provérbios de Públio Siro.
Explorando a Carta 8 de Sêneca a Lucílio: Reflexões sobre o Isolamento e a Sabedoria Estoica
Na Carta 8 endereçada a Lucílio, o filósofo estoico Sêneca expõe sua visão singular sobre o isolamento, a produtividade e a busca pela verdadeira sabedoria. Este escrito eloquente nos oferece um mergulho profundo nas convicções do filósofo sobre a vida, a simplicidade e a relevância da filosofia em nossas jornadas individuais. Vamos explorar e refletir sobre as passagens dessa carta, destacando sua riqueza filosófica e sua aplicabilidade à vida cotidiana.
Isolamento como Fonte de Ajuda
Sêneca inicia questionando a sugestão de Lucílio de evitar a multidão e se retirar do convívio humano. Contrapondo esse conselho à doutrina estoica, que preconiza a participação ativa na vida social, Sêneca revela sua perspectiva única. Ele defende que seu isolamento não é para o ócio, mas sim para tornar-se mais capaz de ajudar um número maior de pessoas.
Esta abordagem parece paradoxal: como o isolamento pode ser sinônimo de auxílio? O isolamento ativo, como proposto por Sêneca, é um meio de cultivar sabedoria para oferecer orientação e apoio àqueles que necessitam. Não se trata de se afastar das responsabilidades sociais, mas sim de adquirir as ferramentas necessárias para lidar melhor com essas responsabilidades.
Trabalho para Gerações Futuras
Sêneca destaca seu afastamento não apenas das pessoas, mas também dos negócios mundanos. Ele concentra seu tempo e esforço em escrever ideias que possam ser de ajuda para as gerações vindouras. Comparando essas ideias a prescrições médicas para suas próprias feridas, ele aconselha outros a não se deixarem enganar pelos “presentes da fortuna”.
A atenção de Sêneca para com o futuro é notável. Sua escrita não é apenas um exercício pessoal, mas uma tentativa de legar ensinamentos valiosos para as gerações subsequentes. Além disso, ele adverte sobre a armadilha da fortuna, incentivando a reflexão cuidadosa sobre os presentes que a vida oferece, pois nem sempre são o que parecem.
Simplicidade e Moderação
Sêneca aconselha a buscar uma vida de segurança, evitando ser ludibriado pelos encantos da fortuna. Propõe um estilo de vida simples, onde o corpo é tratado com parcimônia para manter a mente em controle. Despreza os excessos e adorna apenas a alma, a única digna de admiração.
Nesta era de consumo desenfreado e constante busca por mais, as palavras de Sêneca ressoam poderosamente. Sua ênfase na valorização da alma sobre os bens materiais reflete a essência estoica de encontrar contentamento naquilo que é essencial e intrínseco à natureza humana. A moderação e a simplicidade tornam-se, assim, pilares fundamentais na busca pela virtude.
Reflexão sobre as Palavras de Epicuro
Ao citar Epicuro, Sêneca destaca a essência da liberdade que vem do serviço à Filosofia. Ele reconhece a universalidade da sabedoria, independente de sua origem, e compartilha a importância de ser escravo da Filosofia para alcançar a verdadeira liberdade.
Ao recorrer a um filósofo frequentemente contrastante com o estoicismo, Sêneca destaca a transversalidade das ideias filosóficas. Isso enfatiza a busca pela sabedoria além das barreiras das escolas de pensamento, priorizando a verdade sobre a origem das ideias.
Conclusão
A Carta 8 de Sêneca a Lucílio é um testemunho da importância do autoaperfeiçoamento, do isolamento ativo para cultivar sabedoria e da busca pela moderação e simplicidade na vida. Esses ensinamentos atemporais destacam a necessidade de uma reflexão contínua sobre nossas escolhas, prioridades e o verdadeiro valor das coisas na busca por uma vida virtuosa e significativa.
A sabedoria de Sêneca continua a ecoar através dos séculos, oferecendo insights valiosos sobre a busca pela verdadeira felicidade e realização. Suas palavras ecoam como um farol, guiando-nos em direção a um caminho de serenidade, sabedoria e autenticidade.